quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

O ESTRANHO

O ESTRANHO

Alguns anos depois que nasci, meu pai conheceu um estranho,
recém-chegado à nossa pequena cidade.
Desde o princípio, meu pai ficou fascinado com este encantador
personagem, e em seguida o convidou a viver com nossa família.
O estranho aceitou e desde então tem estado conosco.
Enquanto eu crescia, nunca perguntei sobre seu lugar em minha família;
na minha mente jovem já tinha um lugar muito especial.
Meus pais eram instrutores complementares:
Minha mãe me ensinou o que era bom e o que era mau e meu pai me
ensinou a obedecer.
Mas o estranho era nosso narrador.
Mantinha-nos enfeitiçados por horas com aventuras, mistérios e comédias.

Ele sempre tinha respostas para qualquer coisa que quiséssemos saber
de política, história ou ciência.
Conhecia tudo do passado, do presente e até podia predizer o futuro!
Levou minha família ao primeiro jogo de futebol.
Fazia-me rir, e me fazia chorar.

O estranho nunca parava de falar, mas o meu pai não se importava.
Às vezes, minha mãe se levantava cedo e calada, enquanto o resto de
nós ficava escutando o que tinha que dizer, mas só ela ia à cozinha
para ter paz e tranquilidade. (Agora me pergunto se ela teria rezado
alguma vez, para que o estranho fosse embora).
Meu pai dirigia nosso lar com certas convicções morais, mas o estranho
nunca se sentia obrigado a honrá-las.

As blasfêmias, os palavrões, por exemplo, não eram permitidos em nossa
casa… Nem por parte nossa, nem de nossos amigos ou de qualquer
um que nos visitasse. Entretanto, nosso visitante de longo prazo,
usava sem problemas sua linguagem inapropriada que às vezes queimava
meus ouvidos e que fazia meu pai se retorcer e minha mãe se ruborizar.
Meu pai nunca nos deu permissão para tomar álcool. Mas o estranho nos
animou a tentá-lo e a fazê-lo regularmente.
Fez com que o cigarro parecesse fresco e inofensivo, e que os charutos
e os cachimbos fossem distinguidos.
Falava livremente (talvez demasiado) sobre sexo. Seus comentários eram
às vezes evidentes, outras sugestivos, e geralmente vergonhosos.
Agora sei que meus conceitos sobre relações foram influenciados
fortemente durante minha adolescência pelo estranho.
Repetidas vezes o criticaram, mas ele nunca fez caso aos valores de
meus pais, mesmo assim, permaneceu em nosso lar.
Passaram-se mais de cinquenta anos desde que o estranho veio para
nossa família. Desde então mudou muito; já não é tão fascinante como
era ao principio.
Não obstante, se hoje você pudesse entrar na guarida de meus pais,
ainda o encontraria sentado em seu canto, esperando que alguém
quisesse escutar suas conversas ou dedicar seu tempo livre a fazer-lhe
companhia...
Seu nome?
Nós o chamamos Televisor...


--By Marcelo C.--

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